Barra do Corda/MA, 18 de abril de 2024
×
Barra do Corda/MA, 18 de abril de 2024

Publicidade

Notícias

Demurrage: um fato jurídico e o horizonte de oportunidades

Blog Minuto Barra, o Portal de Notícias do Gildásio Brito 

Anna Graziella Santana Neiva Costa*

Publicidade

Mariana Costa Heluy**

Em 21 de maio de 2019, a 4ª Câmara Cível do Tribunal Justiça do Estado do Maranhão, composta pelos desembargadores Paulo Velten (presidente) e Jaime Ferreira, seguindo voto do Relator, Des. Marcelino Everton, singrou mar da incerteza, descortinou horizonte de dúvida e trouxe fundamentos jurídicos sólidos em julgamento inédito.

A temática? Demurrage de contêiner. Em linhas gerais, o termo é utilizado para denominar a cobrança pelo uso além do período de tempo acordado (laytime), gerando custos ao remetente ou destinatário para além das despesas ordinárias como contêiner yard, taxas portuárias e de cais, frete marítimo. Simplificadamente, trata de posse que viola cláusula contratual de transporte assentada no binômio “estadia permitida x estadia real” originando a máxima “once on demurrage, always on demurrage”.

Considerada a temática mais contenciosa do âmbito do transporte marítimo, o acréscimo dos imbróglios envolvendo sobreestadia de contêineres é fruto da expansão de citada modalidade na logística de transportes, associada a problemas relativos ao desembaraço aduaneiro, infraestrutura logística deficitária, gargalos portuários. Com efeito, este cenário de atrito e gestão claudicante possuem o condão – em virtude do expressivo valor dos gastos com sobreestadia – de afetar a lucratividade e a competitividade de empresas brasileiras, em especial quando das discussões avançam pelos tribunais brasileiros com o escopo de dirimir perdas.

Muito embora este tipo de ocorrência tenha se tornado usual no modal marítimo, os consectários jurídicos deste instituto ainda geram controvérsias e insegurança jurídica, por não existir pacificação doutrinária e jurisprudencial acerca da natureza jurídica do instituto e a extensão da aplicação das normas em relação aos contêineres de transporte.

As altercações instigadas pelos estudiosos da área adentram para além-mar e fomentam indagações variadas, a exemplo: seria o contêiner pacote/caixa, parte do navio ou meio de transporte? Definida a linha conceitual, a demurrage seguiria regime jurídico autônomo e acessório ou autônomo e independente? Estar-se-ia diante de uma cláusula penal ou indenizatória?

Ao nosso intuir, conceituação mais apropriada seria considerar o contêiner como meio de transporte e, portanto, independente do navio ou da carga. A operação de transporte seria distinta da operação de fornecimento de contêiner por envolver diferentes funções, metas, objetivos, assim como díspares são a geração de direitos, obrigações e responsabilidades, exigindo termos e enquadramentos jurídicos próprios.

Quanto ao regime jurídico, a despeito de restar demonstrado serem instrumentos distintos, não há dúvidas quanto a perfeita simbiose e interdependência dos contratos de fornecimento de contêiner e de transporte. A abordagem que trata como autônomo e acessório oferece soluções mais concretas, eis que os termos específicos para suprimento de contêiner poderão ser aplicáveis quando (i) estes não entram em conflito com os termos de transporte, (ii) as condições de transporte não preveem qualquer solução, ou (iii) quando o contrato de transporte é inaplicável ao caso concreto. Logo, as decisões tomadas em relação ao fornecimento de contêiner têm impacto mais dilatado sobre motes ligados ao transporte.

Ademais, é visível que quando as partes pactuam montante indenizatório em contrato, esta estipulação nada mais é que uma cláusula penal cujo escopo é o de tangenciar dificuldades da liquidação das perdas e danos prefixando, de logo, no instrumento acordado, hipóteses e limites quantitativos, possíveis agravantes, atenuantes e exceções de responsabilidade.

O cenário de ebulição conceitual e finalística, conexo a redação de contratos imperfeitos, que deixam de delimitar com precisão o que é lei entre as partes, desaguam nos mares revoltos dos Tribunais brasileiros. No Maranhão, ante a timidez do setor no âmbito do Porto do Itaqui que, segundo dados da EMAP, movimentou no ano de 2018 singelos 12 TEUs e em 2017 nenhum, tais debates jurídicos são embrionários.

Ao realizar busca pela jurisprudência do TJMA, constatou-se que, muito embora estejamos diante de setor portuário tão imponente – para não dizer um dos mais importantes do país–, a temática não é trivial. Contudo, verifica-se que mesmo com os escassos julgados já proferidos na seara marítima, estes seguem a toada dos entendimentos majoritários dos demais tribunais nacionais ao considerar a cobrança de demurrage legal, ressalvando as hipóteses de valores abusivos ou imputação do pagamento da sobreestadia ao despachante aduaneiro.

Questiona-se a razão pela qual o Itaqui, com sua destacada localização geográfica e sendo o maior porto público do Brasil em profundidade apto, portanto, a receber navios cargueiros, não está inserido na rota dos contêineres? A resposta, talvez, resida na tese do equilíbrio entre carregamento e descarregamento da embarcação. Dever-se-ia, então, fomentar a exportação de produtos nacionais pelo Porto do Itaqui, evitando-se o “frete morto” (dead freight), tornando a operação de contêiner economicamente viável e, consequentemente, atrativa.

Em tempo, destaca-se que, historicamente, duas cadeias concentram o volume de cargas movimentadas pelo Brasil: produção de grãos – (exportação de soja e milho) – minérios de ferro, produtos petrolíferos (importação de diesel e gasolina). Neste contexto, o Porto do Itaqui é versado como “porto especializado”, vocacionado para movimentação de granéis sólidos e líquidos, destacando-se soja e milho (em virtude do investimento no Terminal de Grãos do Maranhão – TEGRAM) e celulose, assim como movimentação de fertilizantes e combustíveis.

Considerando a vocação maranhense na produção de soja e milho, quiçá fosse viável, como saída imediata para implementação de rota de contêineres, que o Itaqui operasse tal como fez o Porto do Rio Grande, usando o contêiner também como meio de transporte da soja voltado para pequenos importadores e exportadores, com custo reduzido de frete marítimo e mais agilidade no envio.

Agita-se a perspectiva para desenhar o panorama da exportação sob medida, que atende ao mercado, alcança novos elos da cadeia produtiva, contorna deficiências estruturais, agilizando o escoamento da produção. E, por outra via, acende ambiente para o Porto Itaqui avançar na configuração de um porto multifuncional, apto a engrenar nas rotas de comércio dos que buscam economia de escala no transporte marítimo, aliada à redução dos custos dos produtos transportados.

Em tempo, há que se registrar rumores de que a realidade no Porto do Itaqui pode mudar. Perspectivas de retomar linhas regulares de contêineres – suspensas desde 2016 –, são ventiladas. Caso concretizadas serão, sem dúvidas, festejadas pelo mercado e por maritimistas.

Se o mundo pertence a quem se atreve, como dizia Charlie Chaplin…

* Anna Graziella – Advogada, Pós-Graduada em Direito Constitucional e em Ciência Jurídico-Políticas; MBA em Direito Tributário; Pós-Graduanda em Direito Eleitoral; Mestranda em Ciências Jurídico-Políticas. E-mail: [email protected]

**Mariana Heluy – Advogada, Especialista em Gestão do Transporte Marítimo e Portos. E-mail: [email protected]

Faça um comentário

Continue lendo...