Não deu outra: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva transformou em palanque das eleições de 2018 o depoimento prestado ontem em Curitiba ao juiz Sérgio Moro, no processo da Operação Lava Jato em que é acusado de ser o proprietário oculto de um apartamento no Guarujá, reformado pela empreiteira OAS com dinheiro desviado da Petrobras.

Nem as acusações nem as explicações de Lula são novas. Moro o submeteu a um minucioso interrogatório de quase cinco horas. Tentou ser técnico e apontar a Lula as contradições entre o processo e as explicações dele. Lula atribuía as dúvidas que não conseguia responder à mulher Marisa, morta em fevereiro e responsável, segundo ele, pelo interesse e pelas tratativas a respeito do imóvel.

Publicidade


Lula afirmou que ficou sabendo do apartamento apenas duas vezes. Primeiro, em 2005, quando Marisa adquiriu uma opção de compra da cooperativa Bancoop. Em 2013, o assunto voltou, pois a OAS havia concluído o edifício. Contou ter visitado o imóvel em 2014 com a mulher e o empreiteiro Léo Pinheiro. Disse ter encontrado “500 defeitos” e, na hora, decidiu que não o queria, por ser pequeno para uma família tão grande – mas que Marisa ainda poderia querê-lo como investimento, por isso ela voltou a visitá-lo.

No momento mais embaraçoso para Lula, ele confirmou que manteve encontro com o ex-diretor da Petrobras, Renato Duque, intermediado pelo tesoureiro João Vaccari Neto, para tratar de “boatos” sobre contas no exterior. Duque afirmou ter recebido de Lula ordem para fechar contas que tivesse fora do país. Lula também negou ter pedido que Léo Pinheiro destruísse provas, como Pinheiro afirmou em depoimento no mês passado.

Nenhum dos aspectos jurídicos do processo se equipara, contudo, à dimensão política. “Estou sendo vítima da maior caçada jurídica que um presidente ou político brasileiro já teve”, disse Lula em seu pronunciamento final. Emendou um discurso de campanha, em que se declarou vítima da imprensa e de um “powerpoint mentiroso”.

“Imagino que o Ministério Público vai apresentar provas”, disse ele – mesmo depois de quase cinco horas em que Moro o indagara sobre todas as evidências recolhidas pela acusação. Exigiu uma escritura ou um papel assinado com seu nome – mesmo sob a acusação de que a propriedade do imóvel é oculta, portanto não pode estar registrada.

Em sua invectiva contra a imprensa, elencou o número de capas de revistas, reportagens de jornal e minutos de TV dedicados a ele nos últimos meses como prova da perseguição. Moro até tentou cortar o “programa eleitoral”. Mas não adiantou. Lula conseguiu o que queria. Posou de vítima e saiu de lá para um comício de verdade em Curitiba, onde voltou a repetir toda a sua cantilena e reafirmou que será candidato em 2018.

Lula transformou um depoimento essencial da Operação Lava Jato no primeiro ato da campanha eleitoral, cuja estratégia já é possível antever pelo que ele disse. Primeiro, colocar-se como “o presidente que mais fez pelos mais pobres” sem nunca querer nada em troca. Segundo, posar de vítima da imprensa e das elites, inconformadas com o sucesso e o rumo que deu ao Brasil. Terceiro, acusar a operação Lava Jato de uma perseguição montada explicitamente contra ele, para barrar sua volta ao poder.

Nada disso faz muito sentido, claro. Mas sempre será possível a seus partidários defender cada item dessa estratégia com base em informações parciais ou distorcidas – exatamente como Lula tentou fazer no depoimento de ontem. Política e verdade sempre tiveram uma relação conflituosa, como afirmei em série de posts no final do ano passado.

Moro tentou obter de Lula sua versão sobre as acusações para dar andamento a um processo que tramita sob tensão e escrutínio incessante, contra um dos personagens centrais da política brasileira. É uma vitória da Lava Jato – e do país – que ele tenha conseguido levar um ex-presidente ao banco dos réus e submetê-lo a um interrogatório que não cedeu a tentações populistas (como prendê-lo ou cair na armadilha de constrangê-lo).

O objetivo de Lula era outro. Queria fazer o que faz melhor: política. E conseguiu. Não haverá como evitar que o interrogatório alimente a narrativa petista que o apresenta como vítima, eixo de sua campanha para 2018 (caso não seja condenado em segunda instância e possa se lançar candidato). Na busca pelos respectivos objetivos, o êxito político de Lula é mais relevante que o jurídico de Moro.

G1/REDE GLOBO/por Helio Gurovitz